quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Porque é que o sexo acaba quando ele goza?




Durante a atividade sexual a maioria dos casais heterossexuais tende a seguir um roteiro. Normalmente um dos elementos inicia comportamentos como acariciar ou beijar que, no caso de percepcionar disponibilidade sexual do outro, são sucedidos por atos progressivamente mais erotizados até à estimulação oral ou digital dos genitais. Dá-se então início à penetração e, eventualmente, aos orgasmos feminino e masculino. Refiro-me às fases da resposta sexual de desejo, excitação, orgasmo, patenteadas no modelo de Helen Kaplan (1974, 1979), uma evolução do de Masters e Johnson (1966, 1970). Menciono este modelo e não outro por este ser aquele que se encontra na base da categorização das disfunções sexuais dos manuais de diagnóstico americanos e europeus. Apesar de esta sucessão de fases da resposta sexual ser frequentemente discutível resume o que é tido como expectável, isto é, que a atividade sexual cessa quando o homem ejacula e que a ejaculação é o desfecho natural de uma transa.
A verdade é que a ideia de que a ejaculação finda a relação sexual é uma norma pré-estabelecida sobre a qual não refletimos muito. Há vários motivos para que assim seja, sendo que o mais óbvio é evolutivo. Sem emissão de esperma não há reprodução e inviabiliza-se a continuidade da espécie. Contudo, grande parte da atividade sexual visa somente o prazer e não inclui fins reprodutivos - o que poderia pôr em causa semelhante convenção, mas não são observados sinais nesse sentido.
Atente-se que, por vezes, as relações sexuais terminam sem que se dê o orgasmo feminino, sendo que tal é legitímo e não acarreta necessariamente frustrações. Já terminar uma relação sexual logo após o orgasmo da mulher e sem o equivalente masculino parece ilógico ou irrazoável - mas não é (ou não deveria ser). Pelo menos não numa perspetiva de igualdade de gênero.
O modelo de resposta sexual foi construído à imagem masculina e impõe um cânone, fruto de centenas de anos de limitação do poder das mulheres e que quer homens, quer mulheres foram responsáveis por manter ao longo dos tempos. Os homens impõem, as mulheres cumprem, o sistema alimenta-se. Porquê? De acordo com Hyde e Durik (2000), as mulheres, por possuírem menos poder, modelam e adaptam mais o seu comportamento do que os homens, detentores de poder. Este ajustamento que implica, como já vimos, uma discrepância de gênero, é notório no campo da sexualidade. Foi tão bem concebido e está tão intrincado na forma como se processam os relacionamentos que é aceite acriticamente. A ideia de cessar uma prática sexual apenas porque a mulher já obteve um orgasmo afigurar-se-nos como simplesmente bizarra. Mas será?
Já foram apontadas algumas causas: evolução, disparidade de poder entre gêneros, modelagem de comportamento (com subjugação ao prazer masculino). Pode acrescentar-se mais uma – a culpa. A eterna culpa judaico-cristã que postula que o prazer, sobretudo o feminino, é uma coisa feia. A culpa, aliás, pode ter um papel importante no desenvovlimento de disfunções sexuais femininas de acordo com o modelo de Pedro Nobre (2003).
O ideal é talvez o orgasmo simultâneo. Uma vez que tal não ocorre sempre, seria lícito que nuns dias fosse para ele e noutros para ela. No entanto, até o exercício de imaginar uma transa sem ejaculação é custoso, como se fosse contra a sua própria definição. É nonsense, um devaneio de sonhadores.

Por Leonor de Oliveira

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