sábado, 25 de março de 2017

Tantra uma abordagem segundo o gozo


E volta e meia, e meia volta, três vezes e meia enrolada está a alma

Enrolada nela mesma, procurando saída para a questão, a grande questão
Ser ela mesma e ao mesmo tempo Ser ela no encontro com o outro.

Buscamos o gozo, dos sentidos, do erótico, do intelecto, da expressão de si mesmo e da contemplação do gozo do outro - Que não raro nos parece um tanto esquisito, diverso, incompreensível.
É neste ponto que sucumbimos, se meu desejo, meu tesouro valioso, não encontra com a riqueza do outro, pareço-me solitário, separado, isolado, alienado. Como harmonizar meu anseio, de características tão únicas e próprias, com o anseio do outro, tão dele, tão pessoal?
Confusos, perdidos, saímos na procura de outro igual, mesmo com a certeza, de que não existe cópia de mim mesmo, não existe um duplo, alma gêmea, caminhando pelo mundo com o destino de me encontrar.
Somos tão parecidos em nossas diferenças, somos tão diversos em nossa unidade. O Tantra versa sobre unidade, mas é pela diferença que nos desenvolvemos. O diferente ofende as obviedades, previsibilidades, as evidencias.
O Tantra nos promete uma experiência real com o indiferenciado, e nos jogos dos paradoxos, é pela diferença que encontramos a unidade. Isto é de uma beleza terrifica. O outro legitima a alma individual, a coletividade confirma a individualidade, mas esteja certo que não estou falando de egocentrismo, narcisismo, ou megalomania. O espírito uno se fez muitos só para deleitar-se de sua própria infinitude.
Esta ancestral filosofia, apela para o gozo erótico, excelência do ser e do não-ser, mas não se restringe ao abraço genital. Este é o maior dos equívocos das leituras contemporâneas sobre o Tantra, reduzir o êxtase integrativo- orgânico e psíquico, promovido pelo discurso e práxis Tântrika, à mera experiência sexual.
O discurso, é sempre um rompimento, uma transcendência, não é simples verborragia inútil. O discurso de gozo, desvia o curso da vida, dos rumos ajustados em sociedade, das normatizações burras que desconsideram a alteridade e a criativa manifestação da vida, que é sempre imprevisível e única (mesmo quando reconhecemos que não somos autênticos, e sim um apanhado de culturas diversas).
E não é um fato, que todas as grandes almas que por aqui passaram e deixaram ensinos e exemplos lúcidos e valiosos, à partir de seus "despertares", puseram-se simplesmente à discursar?
Buddha discursou, Krishna discursou, Cristo discursou, Sócrates discursou, Ramana discursou, Abhinava Gupta discursou, todos os grandes poetas, malditos ou amados discursaram, em prosa e poesia. Isto não é uma tarefa de importancia indiscutível? Mesmo quem coloca o discurso como algo aquém à práxis, discursa contra o discurso, e assim coroa o valor do discurso por ele mesmo ou como ferramenta para a ação exemplificadora.
Isto é inevitável, porque toda ação é um discurso, assim como todo discurso, é - por ele mesmo - uma ação e fomenta exemplos e padrões novos de comportamento. Que paradoxo divertido! Ai dos paradigmas, que se rasgam na palavra dita e expressada.
Partir um pão e compartilhá-lo envolve a coordenação de quantos músculos, tendões e articulações? Uns tantos não? E falar, discursar, quanto de coordenação corpórea e intelectual é exigida? Tanto quanto o repartir do pão, não? O que não é uma ação? O próprio pensar envolve um batalhão de neurônios e hormônios, um tanto de força vital e libido.
E não me atenho ao discurso, porque quando se trata de gozo e experimentação, somos um todo complexo em pungente serviço e aplicação vital. Tudo é divino, tudo é vivo, mas nem sempre estamos conscientes de nossas motivações. E é aí que nos chega o Tantra, para esclarecer, elucidar e empoderar nosso discurso e nossa expressividade.
Tantra é erotismo transcendente, e não mera brincadeira de fetiches e fantasias. Transcende a cama por ela mesma, e o que seria do lótus sem a lama?
Inquestionável que o Tantra se interessa pelo gozo, é o interesse primeiro do corpo e da alma, como ignorar e desviar-se desta demanda?
Mas este saber vai além, primeiro porque revela-nos que o gozo não é geográfico, não se limita aos sentidos, mesmo em sua concretude, é extraordinariamente subjetivo. Segundo porque descobrir com o que e como se goza é imprescindível, para transcender o pequeno "eu" e fazer valer a existência. Dando-lhe um sentido novo num caminho que às vezes nos parece sem sentido algum.
Não à toa, muitos Tântrikas foram considerados insanos, loucos, imorais, pervertidos e lascivos. E poderia ser diferente numa sociedade tão perdida e reprimida?
Aqui tens mais um discurso, sem maiores objetivos, talvez esteja conversando comigo mesmo, refletindo no que aconteceu com o Tantra no cenário da espiritualidade humana.
Sinto que é necessário higienizar o intelecto, tanto dos preconceitos sociais, quanto das abordagens equivocadas sobre este belo e profundo caminho de liberação espiritual e política.
Jaya Tântrikas!!!!!
Vajrananda (Diógenes Mira)

Nenhum comentário:

Postar um comentário